A Morte enquanto metáfora de recriação das palavras e dos conceitos em Cadernos Negros, volume 34:

O escuro das palavras de Fausto Antônio.

A Morte neste belíssimo conto de Fausto Antônio é evocada como metáfora da essência criativa, o lugar da busca inquietante das respostas e da precisão imprecisa da memória onde a procura se formalizar em criação:

“Quem toca para subir ou descer a memória é um criador. Mas o criador, a exemplo da morte, destrói ou reinventa o criado.”

O título "O escuro da palavra" o autor reinventa e imprime positividade a palavra o escuro, sendo o escuro o lugar da criação onde a “Fala! Fala é grita, no silêncio profundo e inacabado fulgor, um texto que não se entende, que não se repete senão na fissura dele e vai se erguendo num escuro de criação, de sangue pulsante.” A concepção de Morte, utilizada na elaboração no conto,não é entendida como o fim, antes de tudo é uma recriação da vida um recomeço. O trecho a seguir dá algumas pistas quando a personagem Kaya se depara com a morte da avó:

“Não eram os mortos; eram os ancestrais. A avó era a criação e a restituição, a vida e a morte, a própria existência. Era como se a velha falasse através da neta: agora, estou aqui para despertar o escuro das palavras.”

Fausto Antônio comunica utilizando-se de elementos simbólicos que vão construindo um canal direto com nossas emoções que antes de se perceber já está capturada, enredada no conteúdo da mensagem grafada nas palavras e sentenças. Ao denominar a personagem com o nome Kaya, indica os caminhos da narrativa que irá traçar. Segundo algumas definições de mitologia Kaya se pronúncia Gaia e significa a Mãe Terra para onde se retorna após a morte, para renascer em novos significados. Assim sendo:

“[...] havia os artifícios em face da morte da avó e de outras mortes que renasciam, no entanto, no presente. Então não era apenas morte, era a vida. Ou era o jogo, vida e morte, que até agora Kaya tinha cuidadosamente suprimido ou alimentado?”

Enfim este é um conto, entre os seis outros que tematizam a morte e o morrer publicados nos Cadernos Negros volume 34, no qual a Morte não é relatada através de fatores de violência, extermínio, miséria, balas perdidas, punição divina e outras, é antes de tudo uma recuperação da concepção de algumas culturas africanas onde a Morte é um elemento da vida e os que se foram se tornam ancestrais.